Em oficina realizada pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, lideranças do povo Guarani puderam debater o tema e trazer seu conhecimento milenar para somar com a ciência e técnica dos “juruá” para buscar soluções que amenizem as consequências das mudanças no clima. A iniciativa contou com o apoio Fundo Delegado do DTAT.
“Falta reconhecer a sabedoria indígena. A gente sofre. Hoje, estamos lutando para usar nosso conhecimento, para valorizar nossa cultura. Na nossa visão, a gente vê o mundo todo, o visual aberto, todo dia. É isso que falta para peitar o problema. Nhanderu (Deus) criou tudo, juruá (homem branco) trata como se tivesse criado tudo sozinho. Juruá precisa respeitar mais a natureza. Parece que quer criar outro mundo. Os mais velhos [Guarani] sofrem essa dor”. O relato é de Santiago Franco, da terra Anhetenguá, localizada em Porto Alegre, e se refere as mudanças climáticas que seu povo já está sentindo na pele.
Para promover a reflexão do povo Guarani e muni-los de informação para se posicionar e atuar perante as consequências das alterações no clima, a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) realizou a oficina “Mudanças climáticas e os direitos territoriais do povo Guarani” que contou com o apoio financeiro do Programa DTAT/ICCO, CAFOD e DKA-Áustria.
O evento ocorreu em novembro e contou com a presença de 19 lideranças Guarani de 12 aldeias de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul.
Apesar de ser uma terminologia nova, o assunto em si (mudanças climáticas) é conhecido do povo Guarani. “O tema dialoga diretamente com a visão de mundo dos Guarani, a sua cosmologia. Durante toda a oficina, principalmente os mais velhos afirmavam a todo o momento que os pajés já os alertavam sobre o que estava para ocorrer. O Toninho, Guarani da Aldeia Boa Esperança, por exemplo, lembrou que sua avó dizia que o mar iria 'crescer' [nível do mar]”, disse Daniela Perutti, antropóloga da CPI-SP.
Um dos exercícios propostos durante as atividades foi o de utilizarem termos da língua Tupi-Guarani para falar sobre expressões utilizadas dentro do tema mudanças climáticas. Assim, foram traduzidos os termos aquecimento global (Haku Vaima), poluição (Tataxinã Vai), gás carbônico (Hatãxi Vai), floresta (Ka’aguy), pecuária (mymba), dentre outros. “Trata-se de um primeiro exercício nesse sentido, tendo em vista que muitas dessas expressões são novas e não estão dadas na língua Tupi-Guarani. O objetivo dessa proposta foi a de incentivá-los a se apropriarem desse universo de terminologias”, explica Carolina Bellinger.
Direito a terra
Não é possível separar o tema mudanças climáticas e a questão da demarcação das terras e territórios das populações tradicionais, essa foi uma das principais conclusões obtidas ao longo da oficina. “Se os indígenas, em especial os Guarani, foram o povo que melhor conseguiu evitar o desmatamento da Mata Atlântica, a demarcação de terras é também uma forma de preservar o bioma e, por consequência, evitar a emissão de carbono por desmatamento e degradação florestal”, disse Carolina Bellinger, advogada da CPI-SP.
Há uma relação entre a bandeira de luta do direito à terra e o enfrentamento das mudanças climáticas. Deixar clara esta relação é o caminho para influenciar o cenário político, fazendo com que o direito a terra e território sejam cumpridos.
“O juruá fica bravo quando perde um pedacinho de terra. Para nós, tekoá (lugar onde é possível realizar o modo de ser Guarani) é um espaço de cultura, de forma de vida, para, através de Nhanderu, ter uma vida protegida. Quando se fala de recuperação se fala de mais vida, tanto para o índio como para o branco. Temos que levar essa discussão para dentro da comunidade. Lá ela é antiga, mas agora o homem branco tem provas, porque o juruá precisa sempre de provas”, disse o líder Guarani Santiago Franco.
Mata Atlântica
Apesar de ser o bioma mais devastado do país, com a perda de 75,88% de sua área original, a Mata Atlântica não costuma ser foco de debates sobre preservação e nem alvo de políticas públicas. Os holofotes estão sempre voltados para a Amazônia. Entre 2002 e 2008, foram desmatados 2 mil e 742 km² de Mata Atlântica, uma média de 457 km² anuais de derrubada de área nativa. Esses dados foram divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente no início de dezembro.
“O foco do debate é a Amazônia, mas isso não significa que a Mata Atlântica não será impactada. Por estarem localizadas, principalmente, em regiões costeiras, as regiões desse bioma sofrerão com a elevação do nível do mar e com isso os Guarani diretamente. Por isso eles [Guarani] tem papel fundamental. Quanto mais se informarem, melhor”, disse Leandra Gonçalves, do Greenpeace que facilitou o debate sobre “mudanças climáticas - vulnerabilidade e adaptação”.
Políticas Públicas
As mudanças climáticas podem ser uma oportunidade para os povos tradicionais ganharem força, já que sempre foram os guardiões da floresta, na opinião de Guarany Osório, mestre em Ciências Jurídico-Ambientais. “Eles são 'chave' nesse processo de preservação. O que eles fazem no cotidiano já é mitigação, já é lutar contra as mudanças climáticas”, disse Guarany que apresentou a palestra sobre a política, o plano e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas.
Na apresentação ficou evidenciado que a questão indígena não é abordada no Fundo Nacional de Mudanças Climáticas. Na opinião de Guarany Osório esse já pode ser um ponto de início para uma atuação mais focada nas políticas públicas. “Se eles (Guarani) estão mais informados podem participar mais ativamente das tomadas de decisões – como participar das reuniões nacionais e internacionais. Acho que essa foi a grande sacada da oficina. Informação é poder. Esses são os primeiros passos trazê-los para a discussão e também vê-los como fonte de informações sobre o tema. Eu aprendi muito com eles”, disse.
Na avaliação de Timóteo Verá, da aldeia Tenondé Porã, de São Paulo ,a oficina serviu para mostrar como o seu povo pode participar das decisões que afetam suas vidas diretamente. “É importante sabermos o que está acontecendo para poder participarmos. Foi muito bom a iniciativa junto aos Guarani, juntar a parte técnica e cientifica com a nossa cultura. Nós precisamos criar uma aliança em prol do planeta ”, disse.
Bianca Pyl, assessoria do Programa DTAT
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