O tema Mudanças Climáticas pode ser o denominador comum dentro das lutas ambientais, pelo acesso à terra e ao território ou contra o agronegócio. “Uma luta contra um sistema que não funciona mais”, resume Bruno Kull, do Centro de Estudos e Ação Social (Ceas), durante o encerramento do Seminário Mudanças Climáticas e Riscos de Desastres, realizado entre os dias 29 de março e 1 de abril, na sede da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE), em Salvador.
As comunidades tradicionais, os agricultores familiares tem um modo de viver e de produzir que é bem menos impactante para o meio ambiente. Esses grupos já tem iniciativas de adaptação e de mitigação em relação as mudanças do clima. Dar visibilidade para as ações foi destaque durante os debates. “Temos que criar formas de valorizar e difundir o que as pequenas comunidades fazem em relação as mudanças climáticas. E não parar nessa oficina, temos que dar continuidade ao assunto”, opina Alessandra Karla da Silva, do Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado (Cedac).
Para Augusto Santiago Caju, Assessor de Projetos da CESE, o grupo conseguiu ir além da sensibilização em relação ao tema Mudanças Climáticas. “Nós tivemos acesso a um panorama completo sobre tema e ampliamos nossa capacidade de facilitar o acesso das comunidades a ele, apesar da sua complexidade. Esta metodologia, a exemplo dos DRP´s, que muitos conhecem, pode ajudar as comunidades a planejar melhor suas atividades e o uso do seu território, levando em consideração possíveis efeitos ou riscos relacionados as mudanças climáticas”, disse.
A visibilidade de outros biomas também apareceu como estratégia de ampliação do tema perante a sociedade ao longo dos debates. “Precisamos mostrar a importância do Cerrado para o Brasil e para o mundo”, enfatiza Renato Araújo, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). “Não podemos esquecer da nossa caatinga”, pontua Nereide Sagala, do projeto Adapta Sertão, do município de Pintadas (BA).
Metodologia
As discussões sobre Mudanças Climáticas estão nos gabinetes. “Nós que participamos desse seminário temos a missão de levar as discussões para as comunidades e as entidades em que atuamos”, sugere Carlos Dayrell, Centro de Agricultura Agroecologia do Norte de Minas (CAA NM). Para ele o ponto de partida pode ser a aplicação do “Instrumento Participativo de Avaliação de Riscos Climáticos e de Desastres”, que foi debatido ao longo dos quatro dias do evento.
A metodologia foi aplicada no assentamento Tapera, entre os dias 22 e 25 de março, e discutida no seminário na semana seguinte. O assentamento está localizado em Riacho dos Machados, Norte de Minas Gerais. O objetivo do método, inédito no Brasil, é incluir a análise de redução de riscos relativos a mudanças climáticas aos projetos de desenvolvimento das comunidades tradicionais, assentamentos, etc. A metodologia já foi aplicada no Haiti, Honduras, Nigéria, Etiópia e Filipinas pela agência de cooperação Pão Para Todos.
O instrumento ajuda a entender como os riscos climáticos e os perigos naturais afetam tais comunidades e o quanto poderão afetá-las no futuro. A metodologia está dividida em sete módulos, cada etapa possui sugestões a respeito de recursos e instrumentos para a obtenção de informações necessárias. Para Custódio Camilo do Carmo, 45 anos, agricultor, nascido e criado na região do assentamento Tapera, após a experiência a comunidade está mais atenta. “Muitas coisas que já estávamos observando não sabíamos que era Mudanças Climáticas, um problema mundial”, disse o agricultor que está participando do seminário.
A comunidade está em fase de reorientar o planejamento do assentamento. “O tema veio justamente nessa hora. Minha impressão é que as mudanças climáticas vão receber uma importância maior na discussão”, analisa Uli Ide, representante da Heks no Brasil. Além de Uli, Marion Künzler, da agência de cooperação Pão Para Todos, também participou da aplicação do método.
Troca de experiências
O espaço do seminário serviu para os participantes trocarem informações sobre suas regiões e projetos, como foi o caso de Davi Diaz, do projeto Sementes de Água, de Bogotá, Colômbia. Ele ensinou sistemas simples e de baixo custo que podem ser aplicados em qualquer comunidade rural, com o objetivo de produzir conhecimento e dados confiáveis sobre as contribuições relacionadas ao uso do solo para as mudanças do clima.
Mudanças Climáticas é um fenômeno global que tem reflexo local. “A leitura da natureza é responsabilidade dos pequenos agricultores”, conta Davi. Colocar um termômetro na parede para registrar as variações de temperatura ao longo de um período, foi uma das sugestões. “Verificar a distribuição das chuvas. Uma ou duas vezes por ano ver a diversidade de plantas que nasceram na região, anotar tudo e avaliar o que mudou”, ensina o colombiano que veio participar do seminário.
“A observação das plantas, a pesquisa local é maravilhosa principalmente para os jovens e conhecer melhor sua casa, seu sistema de produção e principalmente para tomar decisões com base em dados concretos”, explica Davi.
Protagonismo
A importância da participação das comunidades tradicionais e dos pequenos agricultores nas tomadas de decisões relacionadas ao tema das mudanças climáticas foi foco ao longo das discussões. “É necessário transparência no processo e participação das comunidades que sofrerão os impactos das mudanças climáticas”, disse Nilo D' Avilla, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, durante o painel “Mudanças climáticas e Políticas Públicas”.
Para efetivar a participação é necessário se informar sobre os projetos que tramitam no Congresso que tem relação com o tema. “Existe uma série de possibilidades de influenciar a política, como apresentação de propostas por meio de parlamentares, sugerir a criação de uma frente parlamentar. Para isso é preciso identificar os parlamentares que se interessam pelo assunto”, sugere Ricardo Verdum, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Para Jean-Pierre Leroy, da Organização Não-Governamental Fase, utilizar o termo Justiça Climática pode ser uma forma de chamar atenção da sociedade para lutas dessas populações, a luta por terra, por território, a luta contra o agronegócio. “É bom aproveitar para chamar atenção para causas dessas populações. Clima lembra desastre e chama atenção das pessoas”, sugere Jean-Pierre, convidado do terceiro dia do evento.
O conceito da Justiça Climática busca aprofundar a questão do enfrentamento as mudanças climáticas. “Não adianta criar sumidoro de carbono aqui no Brasil e manter o padrão de desenvolvimento dos países desenvolvidos. Tem que debater o modelo de desenvolvimento, as iniciativas de enfrentamento das mudanças climáticas não podem simplesmente se acomodar com o modelo de desenvolvimento global que está posto, é preciso enfrentar as origens do problema”, Augusto Santiago Caju, da CESE.
*Reportagem feita por Bianca Pyl e foto de Marcella Haddad, especial para a CESE